Fabricado na Infância

Classificados como criança sem rumo, adolescentes perdidos, olhar sem futuro, expressão dos afectos reduzida à circunstância dura e crua de fazer pela vida ou, pelo menos, tentar.

Classificados com pares de mãos calejadas, cujas linhas contam histórias de vida de traço inseguro, ténue, tantas vezes interrompido, sem brilho nem brio; mãos que trabalham, que agarram, levantam, cosem, martelam, mas mãos (quase) nunca tocadas por outras que as amem ou lhes dêem um rumo, mãos de braços que não abraçam porque alguém se esqueceu de as abraçar também, braços prolongamento de um corpo que ficou por cuidar, corpo senhor de um crescimento tão rápido que a alma da infância, essa, ficou já morta para trás.

Classificados pela vida como esquecidos, ou, no máximo, presentes no papel do discurso de circunstância, mas nunca verdadeiramente inscritos em telas expostas em locais que se vejam, onde possam ser olhados e apreciados, louvados até, em dias tomados com uma ponta de orgulho e relevância.

Desclassificados, portanto. Vivos apenas como parte de um todo que jamais se agregou, que nunca foi dito, escrito ou pintado a cor por uma paleta de verdadeira expressão de toda a sua vida, de toda a sua inocência, da alegria, da esperteza e da sabedoria, até.

Reclassificados, ainda, e agora verdadeiramente lembrados pela obra de Carlos No, num lugar onde todos os que quiserem os podem realmente aceitar de alma e coração, depois de “procurar” “com força” numa mensagem inequívoca:

“Crianças, moços, piquenos, miúdos”, como vos quiserem chamar, há afinal espaço condigno para a vossa existência, uma dimensão que retrata com honra e justiça a necessidade do espaço e do tempo para se poder (ainda) sonhar com um “quando for grande quero ser…”.

O querer ser. E pela arte e com a arte de Carlos No, a vontade de ser, por fim, classificado através da possibilidade de ter um futuro “fabricado na infância” que, como numa história justa, termine com o desejo de “e foram felizes para sempre”.

Pedro Strecht
Lisboa, Julho 2006